sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

bia


O bar era perto. Passava das 23h. Os dois precisariam acordar bem cedo mas, bia bebia e
Balançava a cabeça, o pescoço, os quadris, o corpo todo em sintonia com a música frenética, e falava, e gritava, e repetia ao mesmo tempo:
-Será que a dança é algo pra fazer a gente não se envelhecer?
Ele ficara todo o tempo sem dizer nada, com os olhos fechados, rodopiando no compasso da velha amiga que, sorrindo , passaria a pensar naquilo pra sempre.
Naquele momento ela sussurra maliciosamente no ouvido dele :
- É... acho que você concorda comigo.






texto e foto : isaias

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

ah, o azul



poema : Stéphane Mallarmé
foto : isaias

L'Azur

Do azul eterno a serena ironia
Esmaga, indolentemente bela como as flores,
O poeta impotente que maldiz o seu gênio
Através de um deserto estéril de Dores.

Fugindo, de olhos fechados, sinto-o a olhar
Com a intensidade de um remorso aterrador,
Para a minha alma vazia. Para onde fugir? E que noite perturbada
Lançar, farrapos, lançar sobre este desprezo aflitivo?

Nevoeiros, subi! Deixai cair as vossas cinzas monótonas
Com longos trapos da bruma nos céus
Que afogará o pântano lívido dos outonos
E erguei um grande tecto silencioso!

E tu, sai dos charcos letianos e recolhe
Ao regressares, a jarra e os pálidos juncos,
Caro Tédio, para tapar com uma mão nunca cansada
Os grandes buracos azuis que os pássaros fazem maldosamente.

E mais! que sem cessar as tristes chaminés
Fumeguem, e que de fuligem uma errante prisão
Extinga, no horror das suas negras linhas,
O sol morrendo amarelado no horizonte!

-O Céu está morto. -Em tua direcção, refugio-me! dá, ó matéria,
O esquecimento do Ideal cruel e do Pecado
A este mártir que vem partilhar a liteira
Onde o gado dos homens está deitado feliz,

Porque eu quero aí, uma vez que o meu cérebro enfim, esvaziado
Como um maço de palha caído ao pé de uma parede,
Já não tem a arte de dourar a ideia soluçante,
Lugubremente bocejar num passamento obscuro...

Em vão! O Azul triunfa, e ouço-o a cantar
Nos sinos. Minh'alma, ele faz-se voz para mais
Nos meter medo com a sua vitória maldosa
E do metal vivo sai em angelus azuis!

Ele rola pela bruma antiga e atravessa
A tua agonia nativa tal como um gládio seguro
Para onde fugir nesta revolta inútil e perversa?
Estou assombrado. O
Azul! O Azul! O Azul! O Azul!


Stéphane Mallarmé

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Adalberto queria tirar fora e não voltar com nada naquele apartamento semi-escuro e lúgubre. “É necessário deixar tudo fora”. Pensava, seriíssimo, com a testa contraída e as sobrancelhas serradas. Ele queria deixar uma sensação de vazio para colocar somente a vitrola no chão, rodando una furtiva lagrima*. E continuava a pensar com seus botões: “Se eu tivesse um infarto agora seria um pouco mais dramático e um pouco menos patético que aqueles que odeiam poesias e operas.”

*opera: una furtiva lagrima. De Gaetano Donizetti



isaias

sábado, 18 de dezembro de 2010


Breviário di’versos


1.


quero a palavra disforme
análoga à forma das nuvens
prenúncio de coisas tardias
vazio sem nome –
buraco negro a engolir estrelas.


quero o verso vazio
poesia de coisa nenhuma
silêncio em seu contrário
vazio sem nome –
Sputnik a vagar no espaço.


quero o regresso à terra
o abraço do solo escuro
anúncio de coisas inúteis
vazio sem nome –
Morte a engolir a vida.



poema : flávio offer
foto : isaias